Siarom Selopreih
A vida é poesia efêmera, que pereniza a nossa história.
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O sonho de ser pai

Nasci na década de 1960. Filho de mãe solteira. A primeira visita que recebemos, foi de minha tia. Uns dois meses depois de ter sido dado à luz.

Senti muita falta do meu pai, sobretudo de seu nome. Tinha grande vergonha de não ter pai. Culpava-me.

Aos catorze anos, minha mãe levou-me até ele. Conhecê-lo era como se fosse um sonho. Amistosamente, recebeu-nos.

Delicadamente me rejeitou. Não houve aperto de mão. Nossos olhares não se encontraram. Minha palavra não foi ouvida.

Naquele momento, sua visão periférica deve ter me apanhado: um menino exótico, de corpo magro, trejeitos de quem era criado por mãe e por avó. Calado, pálido e de olhar distante.

De uma quase tristeza, pedindo desculpas por existir.

Meu coração acelerado batia no ritmo de uma alegria surpreendente. Encontrara meu pai: homem bom. Meu quase herói dos sonhos que sempre tive ao ouvir minha mãe falar dele.

A imagem do meu pai, forjada em mim, vinda de falsas lembranças, era o meu alento. A doce sombra, que me acompanhava diuturnamente, desenvolveu uma gratidão filial que me fez honrá-lo sempre. Havia no homem traços que revelavam minha origem. Meu ponto de partida para uma vida cheia de amor e ausência paterna; para uma vida de vulnerabilidades. Uma vida permeada de desafios. Infância pobre e faminta, porém, rica em histórias e boas brincadeiras de rua. Infância em que os abusos silenciavam os sonhos e despertavam demônios assustadores que apareciam em tenebrosos pesadelos.

O meu pai não falou comigo e nem falou de mim. Fui um filho invisível. Ele cassou a minha voz. Negou a minha existência.

A vida seguiu.

O grande sonho da minha vida era constituir uma família e ser pai. Queria muito ser para os meus filhos o pai que sonhei pra mim.

Para um grande sonho, um grande amor. Assim, aconteceu. Conheci a mulher da minha vida, por quem me apaixono todos os dias, amando-a, enquanto vida tiver.

E, quando não mais tiver, para além dela.

O meu sonho virou o nosso sonho. E o nossso sonho era um casal de filhos.

Deu à luz uma bela menina que foi muito amada e querida.

A gravidez de alto risco era um fato que nos preocupava muito. Usávamos um método anticoncepcional calcado na observação de períodos férteis. Mas, considerando os riscos, ficávamos inseguros. Portanto, usávamos preservativo, ao mesmo tempo em que ponderávamos sobre o momento certo.

Ao rezar, pedíamos a Deus que nos orientasse, dando-nos sabedoria e discernimento. Num desses períodos férteis, um preservativo se rompeu. Isso nos fez interpretar, talvez pelo grande sonho de termos um filho, de que se tratava de um "sinal": tudo deveria acontecer naturalmente. Abandonamos o uso de preservativos. Mesmo assim, não ocorreu fertilização. Houve uma certa frustração, que não durou muito. No período fértil seguinte, usamos o método natural para aumentar a chance de fertilização. Deu certo. Minha mulher ficou grávida. Nove meses depois, numa gravidez cercada de especiais cuidados, para evitar o risco de uma eclâmpsia, nasceu o nosso filho amado, forte e saudável.

Nossa filha foi chamada por Deus no início da puberdade. Saudade que sentiremos para sempre. Com lembranças ricas de inesquecíveis momentos.

Nosso filho cresceu, tornou-se um admirável homem: íntegro, independente, responsável. Encontrou a mulher da vida dele. Apaixonou-se. Casou-se. Tornou-se abençoado pai.

Hoje, Dia dos Pais de 2025, passou-me pela memória o trajeto de um sonho, que era o de ser para os meus filhos o pai que sonhei pra mim.

Por mais generoso que possa ser comigo mesmo, não consegui ser o pai que sonhei ser um dia. 

Como eu queria ser melhor! Contudo, fui o que pude ser.

Carrego a leveza de ter feito o meu melhor. No limite de minha humanidade.

Isso faz sorrir em paz o meu coração.

 

 

 

Siarom Selopreih
Enviado por Siarom Selopreih em 11/08/2025
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